segunda-feira, 25 de maio de 2020

Nova última mera despedida

Talvez não tão breve.

Há quase oito anos, me despedi de Aline, de quem eu disse que sentiria saudade porque, em diversos aspectos, ela tinha um espírito semelhante ao meu.

Há quase dez anos, comecei este blog, falando sobre balões.

Isso talvez diga algo sobre mim, flutuante do quase, iniciante de tudo, sempre.

Eu havia acabado de conhecer Nathália, ao acaso, em algum lugar na internet. Se não me engano, em algum fórum da Uol sobre literatura, algo assim. Nathália escrevia, eu escrevia; e logo também escrevemos um ao outro, trocando então algumas cartas. Talvez ela escreva ainda hoje, mas quem sabe? E o que é escrever? Um ofício de prática regular? Se for, tampouco o faço; e assim naufraga tudo o que sempre achei eu ser.

Claro, apaixonei-me por Nathália.

Mas, igualmente claro, apaixonar-me sempre foi coisa tão frequente, quase - quase - sempre me basta um olhar, um sorriso, uma palavra, e não me deito sem escrever prosa tortuosa anagramática sobre qualquer pessoa.

Contudo, ademaismente claro, tive sim paixões maiores, e Nathália foi uma dessas. Muito do que eu era quando comecei este blog dá voltinhas por sobre a imagem de Nathália, e por isso iniciei por ela este último devaneio, ainda que ela não tenha sido nem a primeira nem a última das pessoas de quem já gostei. Deve ser hora então de desvelar o inventário que há tanto tempo eu fiz, em que eu escondi essa gente toda pelas iniciais... e desvelar-me a mim mesmo no processo. Há outros mistérios no mundo que continuarão escondidos, sobre os quais ainda se poderá devanear; mas estes, já era tempo de estes saírem à luz do sol. Presto contas, mais a mim mesmo que a qualquer outra pessoa, e assim espero seguir mais leve.

Volto brevemente, portanto, um pouco mais agora, antes dos balões, para quando Caroline havia se mudado para o Espírito Santo, para Vila Velha. Isso me doeu muito. Ela foi por quem eu mais troquei letras e nomes, sempre. Repetidamente escrevi em código para me sentir mais à vontade de não-dizer abertamente os dizeres que eu pensava sobre ela.

Do inventário então em que eu os havia escondido pelas letras iniciais, agora apresento meus amores, como eu disse que nunca faria. Quando eu era criança, gostava de Júlia. Bom, eu era criança; quase não faz sentido chamá-la aqui. Mas está chamada. Gostei de Daniela um pouco mais tarde, logo antes de Caroline, já adolescente; meio que por essa época conheci também Lívia, que morava em Belo Horizonte, e Débora, que morava em Recife, se não me engano. Nathália, de quem já falei. Bruna, com quem estudei na FMU, por pouco tempo. Interessei-me por mais uma Caroline, desta vez da USP, e talvez eu tenha forçado meu gostar só pela sua homônima. Depois, por uma outra Débora me nasceu um fascínio enorme, numa aula à toa, num museu à toa, há quase (quase) oito anos... por tanto tempo em que lá passei, a universidade me trouxe também Soraya, no caratê, outra Bruna, uma Paula. Meus pensamentos voam e revoam a essas pessoas, à mercê dos meus caprichos de cada época, cada momento.

E Juliana. Juliana, com quem morei e vivi muitas coisas boas e algumas ruins. Juntos, experimentamos diversas cervejas e comidas, passeamos, militamos, perscrutamos a essência política de cada coisa, adentramos nos profundos mistérios do pensar, refletimos sobre os amplos aspectos do mundo e viajamos nas distâncias impossíveis do cosmo. Amei, amamos, muito; e ainda que ao final tenhamos reformulado o que somos, ganhamos um no outro companheiros de vida toda.

E eu toquei minhas paixões por tantas ruas, travessas e alamedas... Fui conhecer Malu, Liz, Marcela, pessoas pelas quais caí de amores logo de cara, e com as quais tive algum tipo de relacionamento. Mas logo as deixei, ou fui deixado; errei e machuquei foi muito. Conheci tanta gente, tanta gente... mas o fato é que não gosto de me relacionar, talvez. Assim eu fui vendo as pessoas vindo e indo a mim e de mim, e aqui fiquei, sendo eu só. E disso não sei ainda dizer bem. Gosto de estar sozinho, sim. Mas gosto apenas de gostar, então? Mas gostar mesmo, não gosto?... o que é isso? Quem sou eu?

As respostas nunca chegam porque não somos estáticos: estamos sempre nos transformando e nos reestruturando. Só se podem ver respostas ao que éramos, e olhe lá.

No geral, nesses quase dez anos, comecei diversas coisas - sou bom em começar. Encontrei alguma vocação no estudo de línguas, abandonei odiento meus cursos e renovado os retomei. Militei, corri e apanhei da polícia. Aprendi na pele o que era consciência de classe. Aprendi a gostar mais do ladrão pé de chinelo, muito mais do que de qualquer cidadão de bem. Adotei junto com Juliana duas cachorras tão lindas, e sozinho adotei dois gatos tão lindos. Descobri novas maneiras de amar, neste turbilhão que foge à romanceada heteronormatividade branca europeia, e repensei então tudo sobre quem eu já gostei, e a forma como gostei. Comecei a praticar esportes algumas vezes. Comecei a fazer terapia. Desbravei enfim sem mais temores as mais variadas músicas. Minha avó faleceu. Estive para pedir as contas do trabalho, mas continuei.

E o mundo hoje vive uma pandemia, um vírus forte; mil vezes mais letal, contudo, neste sistema falido voltado ao lucro. Estamos todos distantes uns dos outros, em quarentena, e mesmo eu, que sempre gostei de estar só, estou demasiadamente só.

Quase se completaram dez anos, quase. E aqui estou. Puro meio acaso que eu confinasse agora aqui escritos dos meus vinte anos. Só fui reparar na idade do blog quando comecei a digitar.

Penso que minha frustração aos 30 é que uma vida não me baste, mais me valeriam cinco, seis vidas de Felipe, que seria eu polímata, pois não há nada que não me interesse: eu quero tudo, quero todas as ciências, e recombiná-las. Quase não me contento com o tempo que cabe ao humano, quase. Entretanto, sou pragmático; que se há de fazer?

Será que todos passam por essas coisas, sentem esses sentimentos, aos 30? Ou é algo que acontece com alguma frequência então: a cada decênio, talvez? Talvez haja mesmo uma certa melancolia nascida socialmente a cada vez que recebemos o próximo número das dezenas de vida. Só não se percebe e não se lembra disso direito quando recebemos a primeira delas... e, se passarmos à centena, talvez nem saibamos mais contar... nem lembrar...

Quis fechar este blog porque não me parece mais fazer sentido. Minha vida seguiu alguma progressão até um tempo atrás, de altos e baixos, altíssimos e baixíssimos, e entediantes e tristes entremeios. Mas desde a última vez em que escrevi aqui, passei por mudanças bem mais significativas. Ter voltado a estudar foi uma das principais. Retomei minhas histórias - não estes devaneios que sempre publiquei, mas sim as imensas tramas que nascem e morrem e renascem e remorrem e transcendem em mim há muito mais tempo que os quase dez anos do blog.

Sentirei falta do nome do blog. De sua cara. Foi uma ideia muito boa, e inaugurou uma fase muito agitada da minha vida. Mas é hora de ir para o próximo período; estou pronto. Penso que serão anos ainda mais intensos, mas esses últimos quase dez são pilares fortíssimos sobre os quais me firmarei para prosseguir. Aprendi muito, devo ter ensinado alguma coisa também. Mantenho os princípios que compreendi serem os corretos pelos quais me guiar, e com os quais transformar este mundo repleto de opulência e miséria. E sigo amando.