sábado, 7 de setembro de 2013

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agrafia agrafia desespero
deixa eu jogar umas palavras no meio pra parecer que elaborei este texto pensando nessas minúcias que eu nunca entendi na arte
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incompreensão

Um episódio - parte 2

Parece-me restar apenas a espera pela morte certa.
Já estou há dois dias encurralado contra o muro e a caçamba de lixo. O problema maior agora é a febre por causa da perna ferida.
O primeiro dia passou sem problemas. Mal deram atenção a este beco, que continuaria a passar despercebido se eu não precisasse ter matado hoje cedo um curioso que chegou perto demais. Ele havia vindo à viela para mijar, mas ficou cismado com o movimento que viu, perto da caçamba. Fui eu: deixei cair o cantil ao acordar sobressaltado com o barulho do sujeito. Como ele viesse devagar para ver o que estava atrás da caçamba, se um bicho ou outra coisa, ainda tive tempo de escolher a pistola que talvez fizesse menos barulho dentre as três. Não foi suficientemente silencioso o tiro, entretanto, ainda que certeiro. Logo vieram mais três soldados correndo para acudir o amigo ferido; eu os abati prontamente.
Não sei se só esses quatro foram designados a ocupar a casa ou se os restantes estão receosos de aparecer. Talvez estejam tramando alguma forma de me vencer.
Em meio à expectativa, pus-me a me lembrar dos tantos que comigo e com outros membros do grupo decidiram enfrentar o exército internacional, e como cada um deles foi morto. Os problemas maiores começaram há duas semanas, quando fomos atacados por um destacamento inimigo logo ao tentar evadir a base velha. A ideia era, obviamente, não sermos vistos, e alcançar a kombi para escaparmos em direção ao endereço onde outros grupos estavam se reunindo - informação que recebêramos criptografada pela frequência de rádio pela qual nos comunicávamos com os demais grupos - mas não contávamos com a presença daqueles soldados. Nosso grupo sofreu, então, uma grande dispersão. Patrícia foi a primeira a ser atingida; eu jamais poderia me esquecer de como seus cabelos tão enroladinhos emolduraram seu rosto quando ela caiu já morta com um tiro que deve ter-lhe explodido o coração. Metade do grupo, a minha, continuou correndo em direção à kombi; já a outra foi encurralada próxima ao corpo de Patrícia, ao qual logo se juntaram o de Emerson e de Alexandre. Emerson certa vez me disse que se havia apaixonado por mim. Já Alexandre eu mal conhecia. Raphael conseguiu desarmar um soldado e usou seu corpo como escudo; enquanto ele se defendia, Lúcia mergulhou, apanhou a arma de Patrícia e conseguiu matar um dos soldados, sendo morta logo em seguida pelo seu próximo alvo. Foi com Lúcia que, pela primeira vez sem grandes receios, fumei um cigarro, ainda adolescente, e ela fumou comigo só para eu me sentir mais seguro, embora havia uns anos ela não mais tocasse num cigarro - contou-me isso depois. Luís tentou correr mas também foi atingido, pelas costas, e fico imaginando o quanto Antônio teria sentido sua perda se soubesse. Eu e mais cinco pessoas havíamos então chegado à kombi. Raphael estrangulou o soldado que lhe servia de escudo; seus braços ficaram soltos como os de um boneco. Por alguma necessidade viril, os homens que se dispuseram a enfrentar Raphael depuseram suas armas e, encurralando-o, partiram para atacá-lo com as próprias mãos. Quem o conheceu sabia que esse ataque seria uma tolice da qual alguns não sobreviveriam para se arrepender. De fato, Raphael, ao se ver livre do perigo das armas, largou o cadáver que arrastava e, na violenta briga que se passou, provou o valor de seus quase dois metros de altura e de força bruta. Três soldados já estavam estirados quando um outro, mostrando bom senso, rastejou até uma pistola e deu tantos tiros em Raphael quantos foram necessários para que enfim ele sucumbisse. Atropelamos o atirador com a kombi logo após o último disparo; cinco segundos antes, poderíamos ter salvado Raphael. Antes que mais soldados viessem, resgatamos Rafaela, que morreu ainda na kombi de hemorragia por conta de um tiro na barriga.

Lembro-me ainda bem deles, mas o cansaço agora é forte demais; nenhum outro movimento na viela até agora, e talvez já tenha passado de meia-noite. A febre provavelmente vai piorar durante a madrugada, e não tenho comida suficiente para muitos dias, muito menos água. Tentarei ficar acordado o máximo que puder, embora ceder ao cansaço seja inevitável daqui a pouco. Só espero que eu tenha a sorte de não ser morto durante o sono. Depois de tantas coisas, gostaria pelo menos de conhecer a morte enquanto estivesse consciente.

Um episódio - parte 1

Há pouco, a última de meus companheiros foi morta: ela atirava, da sacada da casa onde havíamos resistido sozinhos por dois dias, contra os soldados; mas alguém conseguiu subir por algum ponto cego da casa e cortou-lhe o pescoço. Quando vi, corri contra o desgraçado, lutamos e, após levar eu mesmo uma facada na perna, derrubei-o igualmente esfaqueado para o chão a três andares de altura. Com gosto vi que não mais se mexeu após a queda.
Voltei-me imediatamente a ela, entretanto não pude apreciar a luz de seus olhos se esvaindo, pois eu demorara na luta contra o invasor; já era sem vida, o corte fora demasiado profundo. A pele de seu rosto estava absurdamente suja, assim como a minha. Havia tempo não podíamos nos limpar, porque mal dormir era-nos possível. Agora, bem mais do que antes, o cheiro de sangue pairava conosco, enquanto eu a envolvia nos braços; mas desta vez não era o cheiro do sangue dos soldados que matáramos, mas sim do seu, que, escorrido, começava a se espalhar em sua camiseta encardida.
Mesmo sob aquelas circunstâncias horríveis, havia uma beleza indescritível em suas feições. Minha perna machucada, eu a esqueci naquele momento; pois amava Aline e odiava o Novo Regime, que acabava de matá-la, e que já matara todos os outros que me eram caros no mundo. Eu a amava, contudo, mais do que já amei qualquer um; pois pode até ser possível não amar a última pessoa amiga na iminência da morte, mas não alguém como ela. Havia nascido para ser amada mesmo nas condições em que o amor mais evita surgir. Era bela no vigor belicoso e na destreza com que manejava o rifle, e em como acostumou-se logo à rotina de assassinatos em que passamos a viver; era bela em todas essas coisas, e em outras, e sua beleza perdurará no chão por ela metralhado em seu esforço para nos defender, esforço que levou à morte diversos soldados que tentaram se aproximar da casa até então.
Nossa despedida deveria ser curta. Olhei mais uma vez seus estreitos olhos orientais, agora opacos, que tanto me sorriram nos tempos de paz; toquei seu rosto e seu cabelo. Então, novamente retornando à realidade imediata, cortei parte de sua camiseta para enrolar e amarrar em minha perna, a fim de parar de perder tanto sangue. Ao tirar-lhe o coldre da cintura, fazendo seu corpo se mexer, pungiu-me outra vez o coração o fato de que seus movimentos autônomos cessaram para sempre. Não conseguindo mais permanecer ali, tanto pelo perigo quanto pela dor da perda imensa, com um grito furioso preso na garganta rastejei para fora da casa, pelos fundos.
Rodrigo estava ali perto, já apodrecendo; levara um tiro na cabeça quando tentava alcançar uma mochila de um soldado morto. Rodrigo arriscava demais. Eu gostava muito dele. Passando por seu corpo, tomei para mim mais alguma munição. Agora eu já possuía três pistolas e uma caixa cheia de cartuchos e balas que eu não fazia ideia se serviriam; não havia tempo para me deter averiguando a compatibilidade da munição, era preciso me esgueirar o mais rápido possível para longe da casa, pois já a invadiam, agora que Aline não mais os afastava com os tiros do rifle.

Era noite e ninguém me viu me arrastando em direção ao fundo da viela em que a porta de trás da casa dava.