quarta-feira, 24 de julho de 2013

Correria

     Adquiri um jogo de videogame que é na verdade um relançamento de um antigo jogo de combate com naves espaciais. Há uma fase nesse jogo (a primeira fase, aliás) que é utilizada num outro jogo como um dos cenários de luta entre personagens diversos.
     Joguei muito, principalmente, este jogo de luta a que por último me referi, e bastante com meus primos. Quanto ao cenário, um dos favoritos da maioria dos jogadores por ser bem simples e horizontal, propiciando uma disputa mais equilibrada entre os combatentes, meu primo chamava-o "Correria".
     Curioso, no começo achava quase herético que ele o rebatizasse dessa maneira tão peculiar e aparentemente tola, barata - ora meu primo sempre vem com essas brincadeiras que eu não gosto e lembrando agora certa vez aos oito ou nove anos de idade até mesmo imprimi um retângulo vermelho acabando com toda a tinta da impressora só para expressar minha indignação quanto às suas atitudes num futebolzinho que fazíamos no corredor da casa de meus avós que me deixaram indignado nossa como ele dava patada na bola puta que pariu não dava pra defender e doía pra burro eu ficava muito nervoso mas então ele já ficara tão emputecido antes com meus chiliques que foi-se embora para a casa de sua outra avó na rua de baixo antes que eu apresentasse-lhe o cartão vermelho que significava expulsão de campo, que tolice minha e dele mas mais minha e fiquei com remorso aquele dia mas a atitude dele eu não reprovo porque eu sempre fui o chatinho que prezava pelas formalidades fajutas - porém hoje sinto uma simpatia grande pelo apelido. O nome correto da fase que agora jogo alegre no videogame novo é só uma letra diferente desse apelido, mas soa muito melhor para mim chamá-la Correria.
     Caro Arnon, você sempre esteve certo, mesmo que tenha nascido a ideia de forma tão ingênua. Correria.

domingo, 14 de julho de 2013

Ibirapuera

     Só depois de idos quatro ou cinco anos é que voltei ao Ibirapuera, desta vez sem trepadas em árvores nem nada além de andar de bicicleta e patins, sem ônibus indo pro Jabaquara, sem registros fotográficos de meus desequilíbrios de ciclista incipiente, nem do trajeto, nada também de nós agachados como em time de futebol americano; só pedal, pedal, voltas grandes pelo parque, e desta vez andei melhor, tinha de ver só. Talvez se desde criança tivesse eu andado sempre muito de bicicleta, poderia ser melhor que a média no pedalar; sinto-me tão à vontade lá sobre as duas rodas, e foi tão somente uma dezena de vezes que me arrisquei.
     Mas o que de fato importa é que o preço do aluguel de bicicletas aumentou muito desta meia década para cá, olha, te contar, mesmo assim fui rodar por duas horas e fiz bem, gostei, irei mais vezes, mas sem fotos, não as quero sem aquela seriedade que fazíamos sempre em pose de dupla, em vários lugares; mas você sempre ria e quebrava o clima da foto, só que ia aquela foto mesmo pro baú das lembranças e dane-se, era melhor assim, sempre melhor assim.
     Mas de fato importa mesmo é outra coisa, bem que logo vi que nada representava o preço do aluguel na ordem das importâncias, foi tudo tergiversação, eu só queria era um tempo vertido em texto para precisar o que me faltou no parque desta vez, e foi a graça de você de bicicleta ter batido na menina anônima igualmente ciclando e de terem rido caídas no chão, eu sem saber o que fazer; também sua imitação do barulho da passagem de um veículo veloz cortando o vento quando depois eu quis treinar curvas, e o contemplar pueril sobre a pontezinha arqueada dos peixes disparando para os farelos de pão jogados, e eu subindo em árvore só para você ver que eu gostava de subir em árvore, e o tapete bege de folhas secas que farfalhava aos passos nossos e que eu dizia esconder cocô de cachorro só para me divertir imenso e te cansar a beleza infindável.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Ela agora rouba nomes

           Seus olhos são como os dela quando sorriem envergonhados, como a resguardar-se da culpa de ter feito algo errado, algum comentário tolo. Você até põe as mãos sobre a boca da mesma maneira, como ela quando sorria assim. E sua boca também lembra-me muito a dela: de amplo sorriso, de duas fileiras de dentes, por cima moldados por um "m" bem-delineado - em vez da fina linha que, acredito, é mais frequente nos sorrisos -; por baixo, o lábio vai longo e mostra bonitos todos os dentes. Os cantos da boca não se estreitam naquela quina fechada qual sorriso de atriz de novela ou de modelo de sucesso, não, eles se encontram num ângulo bem mais aberto e gentil.
           Você também tropeça no vento e no barulho, e quase cai no vazio antes que eu te ampare, e se torce e gira e pula e corre e dança quase tão graciosamente como ela, mas talvez não com tanta naturalidade; pode ser um excesso de sua meninice; você é tão jovem, quase da mesma idade em que ela e eu nos conhecemos, há tanto tempo...
           Você teima e briga comigo do mesmo jeito, muda de tom do mesmo jeito, faz arremedos de minhas broncas do mesmo jeito; hoje você ia descendo a escada me imitando e foi como voltar a quase uma década atrás e vê-la outra vez no início de tudo, quando ela não mais se acanhava em querer me tirar do sério, após alguma declaração minha cheia de empáfia ou após qualquer movimento meu mais incomum ou qualquer coisa que lhe desse na telha, gesticulando à minha maneira e engrossando a voz.
           Quando te beijei pela primeira vez, ainda não tinha reconhecido tão bem os traços dela em você; mas agora são inescapáveis. Agora, quando te beijo, é difícil não pensar nela. Não é como dizem: que, ao beijar alguém, é tendência não pensar muito e esquecer outras coisas e pessoas. Na verdade, quando te beijo, é como o sucedâneo dos beijos dela que nunca tive, das mãos dela em minhas costas além dos meros abraços de amigos.
           Deve ter sido por tudo isso que cedi a seu apelo. O que há entre nós, entretanto, por ser assim tão falso, ainda que somente culpa minha, sim, culpa confessa, deve terminar.