Devo admitir
minha crescente admiração por cabelos. Seria uma cabelofilia, capilofilia, o
quê? Estudo grego e não sei. Enfim, hoje novamente fui vítima dessa minha
paixão após despedir-me de duas amigas que embarcavam em seu ônibus no terminal
da estação de metrô, quando saí em direção ao ponto de minha condução.
Uma mulher com
uma jaqueta azul se apressava alguns metros adiante em direção ao que me
pareceu ser meu ônibus; mas o que eu vi mesmo foi o movimento dos cabelos, uma
cascata densa de cachos muito enrolados de negros cabelos de negra, que lhe
caíam até o meio das costas, cascata que dançava com o andar da moça. Meus
olhos em fascínio, o queixo caído, apertei meu passo para conseguir entrar no
mesmo ônibus, que de fato era o meu, e obtive sucesso.
Minha primeira
vontade, após entrar em seguida à moça, foi a de mergulhar o rosto em seus
cabelos. Quis pedir para que me deixasse tocá-los, quis dizer-lhe que eram a
coisa mais bonita que eu já vira em tanto tempo, que seus cachos venciam
facilmente mesmo os longos cabelos castanhos de minha sempiterna Capê. Quase me
atrevi a falar com ela, mas o máximo que consegui foi intrometer-me no diálogo
que ela principiara com o motorista a
respeito dos horários dos ônibus, antes de ele dar partida no motor; entretanto, ela não se dirigiu a mim em
momento algum, apesar de eu ter criado situações favoráveis a isso.
Ela tinha também a
beleza de seus cabelos no corpo e no rosto, a beleza negra que pouco ou nada se
rendera aos traços europeus das miscigenações. Certa vez ela mudou o braço com
que se segurava e, nesse momento, brevemente nos olhamos, e resta-me ainda
agora a desconfiança de que nessa viagem de ônibus estive acompanhado de deusa
pagã da beleza e da paixão e dos encantamentos e dos cabelos. Sei que fui
desonesto ao fazer isto, mas utilizei meu celular para tentar filmá-la e ter
sua recordação por muito tempo. Quando, contudo, fui ver o vídeo, agora há
pouco, descobri que de nada me servirá, porque a gravação mal a mostra direito;
eis que agora me pergunto se não havia mesmo algo de místico nela, por ter-me
tanto assim enlevado e por não ter conseguido filmá-la, apesar de ter boas
condições de luz e posição para fazê-lo bem. Perdida assim a prova desse
encontro, não poderei mostrar nada a meus amigos para que acreditem quando eu
disser ter visto o mais belo dos cabelos.
E foi assim que
hoje, mais uma vez, me apaixonei.
Lembrei da menina ruiva do Snoopy: http://www.rodrigoghedin.com.br/blog/charlie-brown-e-a-menininha-de-cabelo-ruivo. E todos têm sua própria menina de cabelos negros. Ou ruivos. E que são apenas suas, simplesmente impossíveis de serem vistas por outros.
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