Por um momento desesperei porque achei que jamais
veria você de novo; fui depressa aos registros do MSN antigo para tentar
encontrar seu nome inteiro (confesso, não me recordo) em algum lugar, mas o que
tenho de melhor de você – daquela época quando a conheci e quando você me disse
que se casaria comigo, que deveríamos nos esforçar para nos encontrarmos e
superarmos as dificuldades para nos amarmos como naquele arroubo nos amamos;
sim, eu amei você, amei por pouco tempo, mas amei demais, demais... –, o que
tenho de melhor de você está no HD do computador antigo, que está travado e que
só com a ajuda de algum profissional em recuperar HDs travados conseguirei
resgatar; guardo-o na gaveta de minha cama e espero algum dia poder ver
novamente nossas conversas maravilhosas que lá tenho salvas, nossos diálogos sobre
literatura e amor e paixão e nossos flertes adolescentes que facilmente me
evolavam ao fértil mundo do sonhar acordado. Então foi quando pela segunda vez
em poucos minutos desesperei, porque não encontrei seu nome, pois o que tenho no computador atual são só nossos frágeis últimos pedaços. As condições de
nosso encontro foram tão fortuitas e acho que não conseguiria reproduzi-las
jamais; eu poderia ter perdido você para sempre! Ainda mais sem seu nome, sem
saber se você ainda mora no agitado litoral, minha única alternativa para
reencontrá-la seria viajar para a outra ponta do país e procurá-la em cada
casa, tarefa que me exigiria uma vida inteira e que quase certamente não daria resultado...
Em meio a este segundo desespero, lembrei-me de
quando conheci você, puxando assunto numa enfadonha conversa sobre cultura;
você falava com todos sobre tudo e sempre estava impondo seu ponto de vista –
algo aceitável, porque o que os outros diziam eram baboseiras sem sentido e
você possuía o domínio argumentativo típico das pessoas que não necessariamente
passaram a vida inteira estudando, mas das que nasceram banhadas pela
facilidade de adquirir conhecimento –, e eu, quando me atentei aos seus dizeres
("vamos ver se esta moça aqui, que fala sem parar, de fato, fala algo
interessante"), desisti de todas as outras conversas e ignorei
todos os outros: só tinha olhos para você. Esperei pelo momento oportuno de
tentar uma aproximação, especialmente procurando por um assunto que eu também
dominasse, para que você não me estapeasse psicologicamente logo de cara como fazia
com todos os outros; não me lembro bem como foi que comecei a papear,
mas, se não me engano, foi aos poucos, e fazendo comentários sobre as pessoas
com quem estivera conversando antes: "eu estava aqui pensando em como deve
ter sido duro para você ter de conversar com Fulano; que pensamentos arcaicos
ele expôs!" – coisas assim, o que era tão tipicamente meu modo de agir,
pois eu, como um bom recém-adulto, só queria mesmo era demonstrar minha
aparente segurança – em que eu, é claro, ingenuamente acreditava – em relação ao domínio
precoce das artes e da filosofia, mostrar-me o jovem prodígio incompreendido da
tormentória capital paulista; em você vi meu reflexo feminino, e pensei:
"que belo!". Sabe, naquele dia, se bem que acho que já lhe falei isto,
mas naquele dia eu tive uma de minhas maiores crises de tédio e não sabia mais
o que fazer com os segundos que escoavam, chorando sua preciosidade; aquele dia
foi o acme do aborrecimento fastidioso que viera se instaurando em mim não sei
por qual motivo nem por quanto tempo – mas é provável que tenha se iniciado com alguma decepção
amorosa, sentimento em mim tão recorrente –, eu não conseguia escrever sequer
uma linha de minhas incríveis histórias, nem uma linha de qualquer delírio, não
tinha vontade de ler livro algum, nem de sair com pessoa alguma, nem de dormir,
nem de ficar acordado, e lembro-me de desejar que eu pudesse me desligar até
que o momento do tédio passasse; mas então me apercebi de que o tédio era
produto exclusivamente meu, o momento não estava no mundo exterior e, portanto,
seria congelado e descongelado comigo e de nada adiantaria.
Querida, amada, conhecer você foi minha redenção
naquele dia, e fez-me acreditar que o acaso, ainda que comumente um louco
espalhafatoso com pendores destrutivos, às vezes nos agracia com uma
aleatoriedade que nos serve de maneira maravilhosa.
Então aqui estava eu, revivendo aqueles dias em que
fui feliz, eu juro, fui feliz de verdade, e agora até lacrimejei ao jurar, fui
feliz de verdade com você, ainda que nosso contato fosse pouco e distante;
então aqui estava eu, parafusando nos motivos que me levaram a querer me
afastar de você, motivos tolos, imbecis – que eu poderia superar! –, num torpor
de recordações de seu rosto e de seu corpo – também me apaixonei por suas
pernas, e sempre que você se levantava para ir à cozinha tomar uma água, eu não
podia evitar olhá-las –, quando sobressaiu-me à vista seu e-mail. Sempre me
esqueço de que é possível encontrar as pessoas nas redes sociais virtuais também
por essa maneira.
É um novo momento de desespero colocar seu e-mail na
ferramenta de busca, o temor por não obter resultado sapando-me numa preparação
para me derrubar; revê-la pareceu-me, nesse instante, improvável e apenas um
sonho de um bobo; entretanto, reencontrei-a. Esta parte de mim que é você
não está, ainda, perdida para sempre de volta ao caos do mundo.
Vejo agora seu rosto gentil com maquiagem escura –
aparentemente caracterizando alguma personagem de alguma peça teatral em que
você atuou em algum momento, decerto posterior ao nosso vago adeus, de sua
vida repleta dessa felicidade de quem sabe que nasceu para encenar, ou
simplesmente de quem sabe que nasceu para determinada aplicação, seja qual for –,
mas que por trás da maquiagem é exatamente igual ao que eu quase esqueci por um
descuido deste coração que definitivamente não sabe amar, pelo menos não como
deveria, como a maioria das pessoas; por trás da maquiagem tenho certeza de que
seu sorriso juvenil e sensual ainda começa pelo canto esquerdo da boca de
lábios carnudos que então se estreitam graciosamente, sorriso convidativo como
seu piscar de olhos... conjuntos, faziam-me delirar. Por muito tempo, não sou
capaz de parar de ver sua foto do perfil; descobri num átimo que sentia saudade
demais de você.
Você ainda escreve encantadoramente, como quando a
conheci, ainda parece alheia à sobriedade do mundo, ainda mora no mesmo lugar,
mas não sei se ainda estuda o mesmo curso na mesma faculdade, coisa que fiquei
sabendo numa das últimas vezes que falei com você; mas quanto tempo isso faz?
Esta corrida era só para não a perder assim de
vista, porque acho que não vou conseguir me reaproximar de você, é quase impossível que
voltemos a nos falar, nas últimas vezes mal parecíamos qualquer coisa entre
conhecidos, amigos, pessoas que algum dia estiveram apaixonadas uma pela outra...
Talvez tudo isto tenha valido apenas para eu fazer,
enfim, a derradeira confissão de meu amor por você – naqueles dias de
namorados, era sempre você, Deborah, quem primeiro dizia que me amava para, só depois,
eu dar uma vaga resposta, que era sempre comedida; este meu medo de revelar que fui atingido por Eros privou-a durante todo este tempo de conhecer a íntima natureza de meu sentimento por você, que
só agora deixo aflorar.
Deborah, eu (não posso dizer simplesmente que a amei, o
verbo no pretérito, como se nosso envolvimento fosse um mero quadro de anos
passados e saudosos, porquanto isso seria apenas uma mentira conveniente que me
ajudaria a amenizar minha consternação por não estarmos mais juntos) amo você. Ao
final, este lugar-comum.