domingo, 18 de novembro de 2012

Oculta num pronome


Algo que lamento é não poder, ou achar que não posso, nem dever, ou achar que não devo, talhar seu nome em cada declaração que a ela faço. Porque, se pudesse, não haveria de metamorfosear meu amor num outro, inexistente fora de meus pensamentos, para escrever fingidamente sobre um eu inexistente num mundo inexistente em que amo alguém inexistente - alguém este mero fantoche em que retrato seu rosto, tenro aos meus olhos, e certamente ao toque, que ainda desconheço.
Já é hábito meu amá-la como se estivesse me dirigindo a outra pessoa. Mesmo sendo hábito, é difícil escolher as palavras certas para criar as mentiras constantes que escrevo. E suspeito que, sendo inteligente como ela é, de nada tanto disfarce adianta; ela já me desvelou há anos.
A pior parte é a contenção. Ter de escrever tudo com meticuloso cuidado, deixando aqui e ali pistas para a verdade e para a mentira verossímil. Desta forma, engano-a um pouquinho. Até que, algum dia, eu lhe revele: "durante todo aquele tempo, tudo que escrevi e disse era só seu, e cada mulher que fiz de conta existir era apenas uma fantasia em você. Agora vou editar cada texto, cada página de cada caderno em que escrevi meu amor por você pronominalizada em qualquer uma; substituirei todos os pronomes por seu nome; cada lugar figurado por um lugar em que estivemos (e estivemos em tantos...); cada beijo que lhe quis dar pelo primeiro beijo que lhe darei; cada mentira pela verdade correspondente. E reescreverei todos os outros textos, tolos, que escrevera antes de conhecer você; colocarei seu nome em cada predição de que a encontraria, pois eu sabia que a encontraria e fatalmente a amaria, e também sempre foi certo que depois de a encontrar eu teria amado você desde o limiar de minha memória, desde quando uma moça entrou na mercearia de meu avô e me viu andando para lá e para cá e perguntou meu nome e minha idade e eu disse 'Felipe' e estiquei três e depois quatro dedos da mão direita - fizera aniversário havia pouco tempo e ainda não sabia direito se tinha três ou quatro anos -, e fiquei meio envergonhado; ah, quando eu conheci você, desde essa minha memória eu já a amava! Antes disso, não me lembro... mas decerto também já a amava!"
Quando eu fizer a ela tal revelação, estarei sendo, terei sido, sou, fora, serei um sujeito feliz, feliz.

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