Ah, essa é fácil. Após algum tempo num amistoso
relacionamento, encontrar-me-ia com a amada para sairmos à luz da noite. Sob as
árvores de uma praça iluminada pela lua através do limpo céu
hibernal, sentar-nos-íamos num banco de madeira já desgastado e descascado
pelo tempo e pelas paixões. Haveria um momento de hesitação, em que tentaríamos
encontrar estrelas às quais atribuir significados e imagens, e veríamos as folhas
sendo empurradas a esmo pela leve, porém fria, brisa que nos inculcaria desejo
pela proximidade. Haveria o toque de meu braço nos seus ombros, e o do dela em
minha cintura; então recostaríamos cabeça em cabeça e veríamos a lua, cheia de
histórias de incontáveis gerações de amantes, que me faria dizer, aos ouvidos
dela, versos de belos poemas; outras tantas palavras minhas que eu teria afiado
durante as últimas semanas antes desse encontro; e ainda outras tantas que
formularia no instante, improvisadas – e, decerto, mais importantes que as
treinadas. Ela as ouviria, e tornaria o rosto um pouco para mim, ainda
recostado ao meu, a fim de flertar-me idílio eterno. Eu, tomado por todas as
inspirações românticas que uma alma pode espontaneamente laçar do éter em
momentos como esse, quando toda a razão se esvai e não importam mais as
intrigas internacionais e interplanetárias e quaisquer respostas sobre a vida,
o universo e tudo mais, lançaria ao pé de seu ouvido uma canção; uma canção que
não mais seria de artistas e plateias, nem só minha ou dela, mas nossa, uma
música só nossa, mais que todas as outras. E quando ela ouvisse os versos que
para sempre representariam nossa união, um último movimento traria seu olhar ao
horizonte do meu e nos contemplaríamos as almas – não mais fugazes, não mais
escapando pela curva por trás das íris –, rutilantes de paixão, no fundo das
pupilas. Haveria sorrisos, no rosto de cada um, que só um beijo conteria e
incorporaria para o outro. Haveria quem pudesse nos observar abraçados e
apaixonados, mas sem nunca poder imaginar a intensidade do amor que fluiria
entre nós. Haveria algum belo esquilo, algum pássaro insone a nos espionar,
algum pirilampo luzindo seu reduzido universo; e só um talentoso artista seria
hábil para notar e pintar, num retrato nosso, algum deles, tornando a cena
ainda mais especial e mística. Haveria o piscar de alguma estrela morrendo e o
de outra nascendo. Haveria, enfim, ainda, claro, o banco de madeira, as árvores
da praça, as folhas dando cambalhotas, tocadas por Zéfiro, a lua soberana e a
brisa do inverno; e seríamos nós parte daquela paisagem por aqueles minutos,
como tantos já foram, como tantos ainda seriam. Um quadro estampado eternamente
em nossa memória, absoluto em significado, forte contra todas as angústias da
vida, sutil como todos os motivos do amor, indelével, intocável, lembrado
sempre ao calar profundo das madrugadas e ao tocar de belas canções; vívido à
recordação das palavras trocadas aos sussurros; quente, reconfortante; feliz,
sempiterno.
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