"...aqui foi no sábado. Eles trouxeram já as
fitas e logo o Alcides vai descer comigo para colocar. Felipe, espera aí,
queria ver com você uma coisa aqui... deixa eu entrar com minha senha. Quer
ver, tava na parte de demonstrativos."
Um minuto.
"Sua matrícula, mesmo? Ah, sim, está aqui.
Beleza, deixa comigo."
"E aí, Felipe? Nem tinha te visto, hoje. Vou te
falar, hoje tá complicado. Ah, uma senhora que estava lá na área
aberta..."
Dois minutos.
"...disse que não te via faz tempo. Te chamou de
loirinho, demorei pra entender. Sabe que ontem à noite teve uma zoeira aqui,
dos arruaceiros, e deu que..."
Três minutos. Sempre nesse ritmo.
Quatro minutos, e cinco, e mais, e a soma chega a
quinze. Eu os vejo passar no relógio da barra da tela do computador. Acerto com
baixa margem de erro o momento em que os números mudam. Entreouço o que me
dizem e ouço o barulho do trem passando nas galerias abaixo, próximas. Sei que
respondo uma ou outra coisa razoavelmente coerente, mas o domínio da conversa é
sempre do outro, então não faz muita diferença minhas respostas parecerem pouco
elaboradas. Hoje eu estou em qualquer lugar, menos próximo de mim. Penso
brevemente num sorriso alheio, e sinto-me melhor.
Vou para os bloqueios. O tempo passa; calculo que
ficarei muito tempo lá sozinho, pois alguns funcionários estavam indo embora.
Tudo bem. Não quero me prender a essa gana por minutos preciosos e avidamente
angariados que fatalmente escoarão, inúteis, junto ao fluxo de tédio nascido da
abstinência mental de corpos puídos amontoados em bancos duros de um vestiário
quente de um corredor infindável de salas monótonas e bicolores de uma estação
de metrô.
Uma hora. Duas. Três. Quantas forem. Não me importo.
Até gosto; é um tempo longo, e torna fácil pensar um pouco sobre ela.
A calça é da cor dos pilares, a camisa é da cor da
monotonia e da ausência. Pessoas passam para lá e para cá; sinto um enjoo de
marinheiro de primeira viagem com o movimento, pois estou balançando ao ritmo
do fluxo. Aproximo-me de um pilar e nele toco com a ponta de um dedo das mãos
cruzadas para trás, e não sei se está frio ou quente. Vou apoiando os outros
dedos, a palma de uma das mãos. Sinto que a temperatura do pilar é minha
própria. Isso me aproxima mais do concreto, como se este quisesse me abraçar. O
vento bate-me no rosto com delicadeza, mas de qualquer jeito, e vem e volta de
qualquer maneira. O barulho martelado dos tripés é caótico; mas parece haver um
constante murmurinho, levíssimo, ao fundo de todo o ambiente, soporífero,
convidativo...
Sinto-me parte da paisagem. Sou invisível para o
mundo, mas o pilar me abraça e me reconforta. Descubro que o pilar sou eu, o
murmurinho sou eu, o martelar sou eu, o vento sou eu, sou eu o mundo. Então o
celular vibra com uma mensagem e essa sensação de integração termina.
É de um número que começa com 4000. Abro e descubro
que, de tão importante que sou, um banco quer me conceder um cartão de crédito.
Sinto-me tão especial quanto uma batata.
Observo os bloqueios como se fosse provável que algo
surgisse das escadas para me salvar de minha própria implosão. Logo agora, um
barulho de conversas chamou-me a atenção e ao olhar distraidamente achei que
fosse ela; foi como um chacoalhão. Deixo tal impressão de lado sem esperar a
confirmação de que não a veria descer do último degrau.
São oito horas da noite. Meu colega chega e vou
embora, a passos arrastados. Sinto em mim um vazio como o da estação desabitada
na madrugada...
Este vazio é como se ela tivesse passado a viver fora
de mim. Ela, agora, habita o ambiente ao meu redor, não mais em mim. Portanto
eu mesmo estou algures, procurando seu toque em cada brisa, seu frescor em cada
chuvisco, sua voz em cada sussurro. Sinto-a em minhas respirações.
Mas o vazio lembra-me de minhas escolhas...
Não encontro ninguém no caminho até o vestiário, nem
quando vou embora. É melhor assim. Embarco no trem. Vou a um lugar especifico,
agora.
Amanhã volto a algures, como todos os dias.
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