quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Paixão diária


Moça bonita para quem ensinei o caminho para Santo André, na estação, hoje: saiba que me apaixonei por você.
Quando a vi perguntando a outro usuário o que deveria fazer para ir até seu destino, já me senti aturdido com a emoção. Fui imediatamente em sua direção, e quando você se virou para mim, confesso, meu coração já era seu. Primeiro amei seu sorriso... não, não. Serei sincero: primeiro aproveitei para olhar e amar seu decote através de sua linda blusinha folgada e transparente enquanto você procurava o mapa da rede metroferroviária em seu celular. Mas depois, quando voltou seu rosto novamente para mim, não pude deixar de amar seus olhos detrás de grandes óculos, seu nariz delicado e seus lábios perfeitos, que desejei. Sua maneira de falar e compreender minhas explicações, seu sorriso simpático, que eu quis ter em todas as tardes de domingo sentados a um banco de pedra de alguma praça, seu caminhar ponderado; amei cada detalhe seu, amei toda a sua vida até ali, amei sua infância e sua adolescência.
Queria ter tido mais tempo com você. Quando você agradeceu e se afastou, vi que não foi exatamente na direção que indiquei, e entusiasmei-me com a chance de correr atrás de você para indicar o caminho correto e, talvez, propor-lhe namoro. Mas alguém me chamou e me distraiu, e quando olhei de volta para onde você ia, você já não estava mais em parte alguma.
Por que não disse tudo isso a você lá mesmo? Haveria uma chance, ainda que pequena, de que você aceitasse meu flerte. Então eu não estaria tão certo, como agora, de que nunca mais a verei.
E por alguns dias vou procurar seu rosto em todos os outros, porém, cedo ou tarde, o esquecerei, e a única lembrança que terei de você é a da pura beleza, e este devaneio escrito; mas naquele momento eu te amei intemporalmente, do início ao fim, entre os dois horizontes, da gênese ao apocalipse, do alfa ao ômega, num mundo hipotético em que nos conhecíamos e nos amávamos desde e para sempre. Eu abriria mão de Platão para ter você aqui comigo.
Adeus!

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Conclusões numa aula de Linguística


O capitalismo privilegia a aparência do indivíduo como soberano em relação ao outro, e ao mesmo tempo força uma submissão da imanência do indivíduo ao sistema. O sistema capitalista afirma as pulsões individuais sem negar a coerção social que exerce. Por isso, é tão seguro em seu domínio, tendo dado este nó no percurso gerativo do sentido. Temos impressão de estarmos libertos, sem o estarmos. A liberdade de dizer opiniões contra o sistema, inclusive, é prevista e está perfeitamente de acordo com tal nó.
Só os fortes entenderão (por completo).

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Pergunta do Orkut: "Como seria seu primeiro encontro ideal?" (alguém aí se lembra disso?)


Ah, essa é fácil. Após algum tempo num amistoso relacionamento, encontrar-me-ia com a amada para sairmos à luz da noite. Sob as árvores de uma praça iluminada pela lua através do limpo céu hibernal, sentar-nos-íamos num banco de madeira já desgastado e descascado pelo tempo e pelas paixões. Haveria um momento de hesitação, em que tentaríamos encontrar estrelas às quais atribuir significados e imagens, e veríamos as folhas sendo empurradas a esmo pela leve, porém fria, brisa que nos inculcaria desejo pela proximidade. Haveria o toque de meu braço nos seus ombros, e o do dela em minha cintura; então recostaríamos cabeça em cabeça e veríamos a lua, cheia de histórias de incontáveis gerações de amantes, que me faria dizer, aos ouvidos dela, versos de belos poemas; outras tantas palavras minhas que eu teria afiado durante as últimas semanas antes desse encontro; e ainda outras tantas que formularia no instante, improvisadas – e, decerto, mais importantes que as treinadas. Ela as ouviria, e tornaria o rosto um pouco para mim, ainda recostado ao meu, a fim de flertar-me idílio eterno. Eu, tomado por todas as inspirações românticas que uma alma pode espontaneamente laçar do éter em momentos como esse, quando toda a razão se esvai e não importam mais as intrigas internacionais e interplanetárias e quaisquer respostas sobre a vida, o universo e tudo mais, lançaria ao pé de seu ouvido uma canção; uma canção que não mais seria de artistas e plateias, nem só minha ou dela, mas nossa, uma música só nossa, mais que todas as outras. E quando ela ouvisse os versos que para sempre representariam nossa união, um último movimento traria seu olhar ao horizonte do meu e nos contemplaríamos as almas – não mais fugazes, não mais escapando pela curva por trás das íris –, rutilantes de paixão, no fundo das pupilas. Haveria sorrisos, no rosto de cada um, que só um beijo conteria e incorporaria para o outro. Haveria quem pudesse nos observar abraçados e apaixonados, mas sem nunca poder imaginar a intensidade do amor que fluiria entre nós. Haveria algum belo esquilo, algum pássaro insone a nos espionar, algum pirilampo luzindo seu reduzido universo; e só um talentoso artista seria hábil para notar e pintar, num retrato nosso, algum deles, tornando a cena ainda mais especial e mística. Haveria o piscar de alguma estrela morrendo e o de outra nascendo. Haveria, enfim, ainda, claro, o banco de madeira, as árvores da praça, as folhas dando cambalhotas, tocadas por Zéfiro, a lua soberana e a brisa do inverno; e seríamos nós parte daquela paisagem por aqueles minutos, como tantos já foram, como tantos ainda seriam. Um quadro estampado eternamente em nossa memória, absoluto em significado, forte contra todas as angústias da vida, sutil como todos os motivos do amor, indelével, intocável, lembrado sempre ao calar profundo das madrugadas e ao tocar de belas canções; vívido à recordação das palavras trocadas aos sussurros; quente, reconfortante; feliz, sempiterno.

domingo, 28 de outubro de 2012

     A quantidade de postagens explicitamente politizadas ultimamente está muito maior que a média para um blog devaneador, onírico, subjetivo etc. Será necessária uma cisão, caso continue assim.
     Meu receio de encontrá-la é o receio de que se aproxime minimamente da idealização, bem distante da realidade, que consolidei em meus pensamentos. Se se aproximar, corro o risco de tornar a enveredar por estradas demasiado sombrias.

Eleições municipais 2012 - São Paulo - SP

Fiz uma leve pesquisa agora, meio por cima, sobre as votações para prefeito em São Paulo desde 2000.

Votos nulos:
2000: 4,9%
2004: 3,8%
2008: 5%
2012: 7,3% (até agora)

Votos brancos:
2000: 3,4%
2004: 1,5%
2008: 2%
2012: 4,4% (até agora)

Abstenções:
2000: 15,2%
2004: 17,5%
2008: 17%
2012: 20% (até agora)

Eleitos: 
2000: Marta (PT), com 58,5%
2004: Serra (PSDB), com 54,9%
2008: Kassab (DEM), com 60%
2012: Haddad (PT), com 55,9% (até agora)

     Outro dia uma usuária parou para conversar comigo na estação e disse que prefere não ir votar e pagar multa depois. Como se poderia definir esse tipo de protesto? Aliás, como separar os que de fato não puderam votar com os que não quiseram? As abstenções cresceram 5% desde 2000. 20% dos habitantes de São Paulo não puderam ou não quiseram votar. Os votos nulos também aumentaram: 2,4%. Neste ano, 7,3% de eleitores se opõem aos dois candidatos do segundo turno. Também 4,4% votaram em branco, o que também vejo como oposição a ambos os candidatos (corrijam-me se eu estiver errado). Juntando tudo, mais ou menos, inclusive estimando que uma parcela das abstenções é protesto, uns 15% da população diretamente se mostra insatisfeita com os resultados das eleições deste ano. Acho, ainda, que alguns votaram no Haddad apenas para que Serra não entrasse na prefeitura, mas que, não fosse por isso, igualmente se oporiam ao Haddad. Pode ter ocorrido o inverso, também.
     Bem, estas foram minhas apurações... refletirei sobre seus possíveis significados.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Brahma e seu otimismo


Olha só o que tive de engolir junto com a janta de hoje. Brahma critica os "pessimistas" que reclamam do previsível caos no transporte na Copa de 2014. Dá uma ânsia tão grande assistir a esse comercial que fica difícil até exteriorizar minha reação. Pessimista? Só uma mente irrefletida consegue ser otimista e achar que a "festa" vindoura do futebol que a Brahma enaltece é de alguma forma mágica e proveitosa. Dizer que o transporte será um caos é mera constatação. Achar que será gostoso ficar no engarrafamento só porque estaremos em meio aos "incríveis" jogos da Copa é infantil e é um pensamento que só é capaz de surgir de mentes turvas como a dos grandes empresários que andam de helicóptero.
Este comercial é um tapa na cara disfarçado de carinho. A missão de idiotização preparativa para a Copa caminha a largos passos... há também uma propaganda da Volkswagen, de um Gol novo, que apela ao patriotismo futebolístico típico da maior parte da população do Brasil. Também é uma grande afronta à inteligência.
Essas empresas pintam a miséria de verde e amarelo e mostram os sorrisos efêmeros que a emoção de uma partida de futebol promove, mas esquecem que tais sorrisos são arremedos de uma felicidade da qual a imensa maioria do povo não frui de verdade.
Então, não especificamente à Brahma ou à Volkswagen, mas a todos os capitalistas malditos que se esforçam, herculeamente, diariamente, no corforto de suas mansões, em revolver o ideal de felicidade das pessoas e em tentar fazer da pobreza conformada uma meta: meus sinceros desejos de que estes comerciais imbecis gerem uma resposta contrária à esperada. Ninguém aguenta mais esse crime mental que vocês praticam. Vocês são homicidas de primeira linha e eu até evito me aproximar da televisão para não passar mais nervoso. Dá para ver seus olhinhos brilhando com a expectativa do lucro em cada palavra que sai do aparelho.
Deixem os trens e os ônibus explodirem de gente, mas deem futebol para o povo, não é? Coloquem o Ronaldo fazendo papel de Tio Sam, vai ser legal, não é mesmo? Dá vontade de vomitar.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O ausente


"...aqui foi no sábado. Eles trouxeram já as fitas e logo o Alcides vai descer comigo para colocar. Felipe, espera aí, queria ver com você uma coisa aqui... deixa eu entrar com minha senha. Quer ver, tava na parte de demonstrativos."
Um minuto.
"Sua matrícula, mesmo? Ah, sim, está aqui. Beleza, deixa comigo."
"E aí, Felipe? Nem tinha te visto, hoje. Vou te falar, hoje tá complicado. Ah, uma senhora que estava lá na área aberta..."
Dois minutos.
"...disse que não te via faz tempo. Te chamou de loirinho, demorei pra entender. Sabe que ontem à noite teve uma zoeira aqui, dos arruaceiros, e deu que..."
Três minutos. Sempre nesse ritmo.
Quatro minutos, e cinco, e mais, e a soma chega a quinze. Eu os vejo passar no relógio da barra da tela do computador. Acerto com baixa margem de erro o momento em que os números mudam. Entreouço o que me dizem e ouço o barulho do trem passando nas galerias abaixo, próximas. Sei que respondo uma ou outra coisa razoavelmente coerente, mas o domínio da conversa é sempre do outro, então não faz muita diferença minhas respostas parecerem pouco elaboradas. Hoje eu estou em qualquer lugar, menos próximo de mim. Penso brevemente num sorriso alheio, e sinto-me melhor.
Vou para os bloqueios. O tempo passa; calculo que ficarei muito tempo lá sozinho, pois alguns funcionários estavam indo embora. Tudo bem. Não quero me prender a essa gana por minutos preciosos e avidamente angariados que fatalmente escoarão, inúteis, junto ao fluxo de tédio nascido da abstinência mental de corpos puídos amontoados em bancos duros de um vestiário quente de um corredor infindável de salas monótonas e bicolores de uma estação de metrô.
Uma hora. Duas. Três. Quantas forem. Não me importo. Até gosto; é um tempo longo, e torna fácil pensar um pouco sobre ela.
A calça é da cor dos pilares, a camisa é da cor da monotonia e da ausência. Pessoas passam para lá e para cá; sinto um enjoo de marinheiro de primeira viagem com o movimento, pois estou balançando ao ritmo do fluxo. Aproximo-me de um pilar e nele toco com a ponta de um dedo das mãos cruzadas para trás, e não sei se está frio ou quente. Vou apoiando os outros dedos, a palma de uma das mãos. Sinto que a temperatura do pilar é minha própria. Isso me aproxima mais do concreto, como se este quisesse me abraçar. O vento bate-me no rosto com delicadeza, mas de qualquer jeito, e vem e volta de qualquer maneira. O barulho martelado dos tripés é caótico; mas parece haver um constante murmurinho, levíssimo, ao fundo de todo o ambiente, soporífero, convidativo...
Sinto-me parte da paisagem. Sou invisível para o mundo, mas o pilar me abraça e me reconforta. Descubro que o pilar sou eu, o murmurinho sou eu, o martelar sou eu, o vento sou eu, sou eu o mundo. Então o celular vibra com uma mensagem e essa sensação de integração termina.
É de um número que começa com 4000. Abro e descubro que, de tão importante que sou, um banco quer me conceder um cartão de crédito. Sinto-me tão especial quanto uma batata.
Observo os bloqueios como se fosse provável que algo surgisse das escadas para me salvar de minha própria implosão. Logo agora, um barulho de conversas chamou-me a atenção e ao olhar distraidamente achei que fosse ela; foi como um chacoalhão. Deixo tal impressão de lado sem esperar a confirmação de que não a veria descer do último degrau.
São oito horas da noite. Meu colega chega e vou embora, a passos arrastados. Sinto em mim um vazio como o da estação desabitada na madrugada...
Este vazio é como se ela tivesse passado a viver fora de mim. Ela, agora, habita o ambiente ao meu redor, não mais em mim. Portanto eu mesmo estou algures, procurando seu toque em cada brisa, seu frescor em cada chuvisco, sua voz em cada sussurro. Sinto-a em minhas respirações.
Mas o vazio lembra-me de minhas escolhas...
Não encontro ninguém no caminho até o vestiário, nem quando vou embora. É melhor assim. Embarco no trem. Vou a um lugar especifico, agora.
Amanhã volto a algures, como todos os dias.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Inventário


Primeiro foi J, num passado de memórias entrecortadas e vagos sorrisos alvíssimos pulando nos cantos da mente. Depois, D., quando comecei a me aventurar mais. C., que entrelaça todas as histórias. L. distante; D'., ainda mais distante. N., enigma ainda hoje. B. passou tão rapidamente que acho que nem deveria ter menção. Quase não me lembrava. Talvez não deva ter menção, de fato. Então por que não excluí esta parte de B.? Parece óbvio. Enfim, surgiu C'., nos momentos de euforia e iniciando minhas histórias de encontros aleatórios. D''. fez-me espantar com tais encontros; eles começaram a se repetir. Então S., sem nem esperar um pouquinho, promove mais uma vez um encontro intrigante na minha vida estranha.
Misturam-se todos, sem parar; remetem-me sempre a C., em fracassadas sobreposições. Mas C. está quase ruindo. Acho, aliás, que já houve a ruptura que sempre desejei.
Quero agora ser livre. Não quero mais abreviações.
Que será que são as abreviações? Acho que nunca as desvelarei.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

     Se ontem eu tivesse morrido, pensei, o pior seria nunca a ter beijado.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Gritar na almofada é uma mentira


Talvez eu parasse de roer unhas se pudesse gritar o mais alto possível de vez em quando. Mas onde, sem que venham acudir ou acalmar? Sem que se sintam perturbados e queiram que eu pare? Casa, avenida, ônibus, metrô, faculdade, treino, ônibus, metrô, trabalho, metrô, ônibus, avenida, casa. Quando estarei sozinho e poderei gritar? No treino, grito. Mas não grito como gostaria. O grito que quero dar não é compatível com o treino, e causaria transtornos. Não quero ninguém perto de mim, ninguém perguntando o porquê. É porque é e, para todos os outros, ponto final.
É grito de desespero por todos os anos e estes meses. Por um arremedo de felicidade.
E não é só gritar; pelo menos não no primeiro grito. É correr e me jogar no chão, bater com um galho em outro, chutar a terra, a água, socar o ar, pular, quebrar uma pedra em outra, e isso o dia inteiro, até me machucar ou desmaiar.
Os gritos seguintes podem ser só gritos. Por algum tempo.
Mas têm de ser gritos; não são gritos os que são abafados pela almofada.

Lembro-me de você, agora, como sempre...
Mas há quanto tempo? Dias ou anos? Pode-se calcular? E que seriam mais dez anos? Ou vinte, quarenta, cem... todos. Quando foi a última vez? Hoje? Quarenta anos atrás?
Qual a quantidade de você que existiu?
Quem é você?